Carta do gestor: março 2020

  • 16/04/2020
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Podemos sair mais fortes da crise?

Há um ditado no mercado financeiro que diz: “o mercado sobe de escada e desce de elevador”. Isso porque, normalmente, as quedas são rápidas e contundentes, levando o lucro de muitos meses.

No mercado de ações, a posição long significa estar comprado, enquanto short significa estar vendido. Isso também exemplifica que as posições compradas normalmente tem visão de longo prazo, ou seja, investimento. As posições vendidas (que ganham com as quedas), são curtas e especulativas.

Esse movimento de queda, rápido e doloroso, tem uma série de explicações.

Normalmente tudo começa com um fato específico. Pode ser, por exemplo, a greve dos caminhoneiros, a gravação do Joesley, ou o Covid-19. Isso leva a “aversão ao risco”, fazendo investidores desmontarem posições arriscadas em busca de investimentos mais previsíveis.

Muitas vezes, essas vendas acabam contagiando outros investidores, que acionam seus stops, ou seja, uma venda automática e/ou compulsória de ativos depois de atingirem determinado percentual de perda máxima. Muitas vezes esses stops são acionados por robôs (algoritmos) ou, no caso dos fundos multimercados, determinados por mandato.

Há também os investidores/fundos que trabalham alavancados. Deixam ativos em garantia e com isso, levantam crédito para fazer mais compras. Quando os preços caem, é exigido aumentar o valor das garantias e, muitas vezes, a solução é sair vendendo a qualquer preço.

Por fim, há também os que precisam de liquidez para atravessar a época de turbulência. Em uma crise, “cash is king” e como resultado, mais vendas pressionando o mercado pra baixo.

Confira a nossa análise semanal do cenário macroeconômico com foco nos investimentos, por Alexandre Amorim, CGA.

E o que aconteceu nas últimas semanas?

O que tivemos desde a metade de fevereiro até a entrada de abril foi, de fato, uma “tempestade perfeita”. Um pouco de todos esses fatores foi visto.

O mercado, especialmente Europa e EUA, vinha de um longo período de alta. Além disso, a alavancagem também era alta, portanto, as vendas iniciaram de uma forma rápida e contundente.

O problema logo se tornou mundial, o que “sincronizou” a crise e atingiu todos os países.

Com várias economias parando, a crise logo teria impactos na economia real. Portanto, além dos investidores, empresas precisaram fazer dinheiro rápido para reforçar seus caixas.

Como se não fosse suficiente, uma divergência entre Rússia e Arábia Saudita em relação a produção de petróleo fez o preço do barril despencar. Com isso, caíram também os preços das petrolíferas que, em muitos casos, viram os preços de venda ficarem menores do que seu custo de produção. Petrolíferas têm dívidas e o crédito passou a ser um risco. O risco, portanto, passou para os credores e isso afetou fortemente o mercado de crédito e de juros.

A incerteza em relação a duração do shut down também era um fator importante. Como as empresas vão sobreviver, como isso vai afetar os empregos, o consumo e o crescimento da economia. Quanto menos respostas se encontravam, mais elevado era o nível de caixa necessário, portanto, mais vendas.

Como consequência, vimos o aumento da volatilidade e a irracionalidade tomando conta do mercado, ou seja, operações sem lógica, sem parâmetro. Resultado disso foram os inúmeros circuit breakers que vimos na bolsa de valores.

Nesse artigo escrevemos um pouco mais sobre Circuit Breaker – Veja aqui

Por fim, essa busca por liquidez afetou aqui no Brasil um mercado que costumava passar ileso às crises – os títulos e fundos com rentabilidade atrelada ao CDI. Também conhecidos como pós-fixados, esses títulos sempre tiveram rentabilidade muito previsível. Historicamente, esse tipo de fundo era composto basicamente por títulos públicos federais (LFTs). A medida que o Brasil foi virando um país “semi-normal”, com taxa de juros e inflação baixas, os títulos federais foram dando espaço aos privados – debêntures e letras financeiras. Só que, com muitos vendedores e poucos compradores, os títulos começaram a ser negociados com preços abaixo do que de fato valiam ou, como se conhece no exterior, abaixo de seu “valor de face”. Isso é, de fato, muito comum lá fora, mas novo aqui no Brasil.

Leia mais sobre esse assunto, aqui.

Portanto vimos fundos de renda fixa, antigamente sinal de segurança, com quedas próximas a 5%. O mais interessante (e difícil de explicar) é que isso não representa necessariamente uma perda – apenas uma remarcação temporária dos títulos, mas que não altera seu valor no vencimento.

O fato é que essa crise nos atingiu de uma forma nunca antes vista e, provavelmente, sairemos dela um pouco diferente do que entramos. O mercado financeiro se recupera. Crises costumam trazer junto muitas oportunidades e estamos encontrando-as nas mais diversas estratégias.

Mas ainda é necessário tempo. Saber o quanto a economia mudará, qual o impacto da crise e dos estímulos, quais empresas e setores voltarão ao que eram antes, quais serão beneficiados e quais terão que se reinventar.

O que interessa, e importa, é que possamos sair ainda mais fortes.

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