Carta do gestor: outubro 2020

  • 16/10/2020
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Com a pandemia, tivemos uma grande inversão nos hábitos de consumo e na matriz econômica

Não restam dúvidas de que 2020 foi um ano atípico. Um acontecimento inesperado que gerou diversos tipos de reações e que terá consequências ainda imprevisíveis.

Se por uma lado a medicina titubeou até encontrar um tratamento adequado à doença, os governos e bancos centrais foram incisivos no choque monetário para que as consequências econômicas não fossem piores que a própria doença, justamente em um momento em que muito se falava que não havia mais espaço para política monetária.

As taxas de juros foram levadas ao piso – ou além dele – e a injeção de dinheiro não só foi brutal, como muito rápida.

Confira a nossa análise semanal do cenário macroeconômico com foco nos investimentos, por Alexandre Amorim, CGA.

Portanto, o mercado que vislumbrava uma crise de oferta e demanda sem precedentes se viu inundado de dinheiro. O problema agora são os efeitos disso, já que tudo aconteceu sem que se pudesse medir nem prever os efeitos de longo prazo.

No Brasil, num primeiro momento, se previu uma queda brutal no crescimento e deflação, mas a realidade foi diferente. O desemprego em massa não aconteceu e acabamos vendo uma distribuição de renda sem precedentes e, em muitos casos, o aumento do poder aquisitivo de alguns grupos. Os hábitos das pessoas mudaram, pois estando em casa, consumiram mais alimentos e serviços on-line. Aumentaram suas reservas, pois não havia previsibilidade sobre a renda. Deixaram de viajar e gastar com lazer e sobrou dinheiro para reformas. Muitos que tinham poupança resolveram se presentear com carros e objetos de luxo. Os juros baixos e algumas oportunidades que apareceram fizeram aquecer o mercado imobiliário.

Com tudo isso, tivemos uma grande inversão nos hábitos de consumo e na matriz econômica. Alguns setores – especialmente serviços – ainda sofrem os efeitos da pandemia, enquanto outros já recuperaram ou até mesmo ultrapassaram os patamares de antes.

Um dos resultados imprevistos foi a inflação. Alguns setores, seja por falta de matéria prima ou por aumento da demanda – quando não por ambos – puxaram o índice para cima (ok, isso era previsível). Na outra ponta, temos um Banco Central que puxou ao limite – um limite que não tinha qualquer parâmetro – a taxa de juros. Somado a isso, uma dívida pública que cresceu absurdamente. Mas a grande preocupação não é necessariamente com o tamanho da dívida, mas com a trajetória dela – se estava entrando em uma tendência de decrescimento, isso agora já é uma grande dúvida.

Isso porque o estado brasileiro, aquele gigante que consome muito em troca de muito pouco, estava indo bem, deixando de gastar mais do que arrecadava e caminhando em relação às reformas estruturais que tanto precisa. Mas a crise deixou novamente eufórica e ávida por dinheiro a nossa classe política, que antes parecia estar criando responsabilidade.

Portanto, estamos em uma encruzilhada. Ainda há tempo para voltarmos aos trilhos e buscarmos a trajetória de crescimento. Na outra ponta, podemos descarrilar e estar em uma espiral de inflação e dívida elevada que acabaria por nos deixar ainda mais pobres e desiguais. Ou ainda, como já vimos tantas vezes, voltaríamos para o mesmo ponto, porém com uma dívida mais alta.

Ainda há muita coisa para acontecer e uma crise como essa costuma ter consequências – inclusive geopolíticas – que podem mudar o rumo da história. Mais do que nunca, precisamos estar de olhos abertos nas decisões dos três poderes para não perder o bonde da história.

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