Carta do gestor: outubro/2019

  • 14/11/2019
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Atual situação econômica do Brasil - Carta do Gestor

Todo mundo conhece e, provavelmente usa, a expressão “risco x retorno” e sabe que para obtenção de maiores retornos é preciso correr mais riscos.

Isso de fato é uma verdade. Mas, no Brasil, até bem pouco tempo atrás, ficava apenas na teoria. Claro, quem buscava retornos mais expressivos acabava correndo mais riscos, mas quem fica na tranquilidade da renda fixa também obtinha retornos polpudos.

Desde que nossa inflação se estabilizou, há 25 anos, os juros têm sido usados como instrumento de política monetária. Juros altos serviram, entre outras coisas, para segurar movimentos bruscos no câmbio e para combater alta da inflação. E os juros altos acabaram por remunerar muito bem quem conseguia poupar parte de suas rendas. Ótimo não? Claro, mas isso deixou o brasileiro mal acostumado.

Até hoje ouvimos perguntas do tipo “qual investimento está pagando 1% ao mês”? Não se sabe de onde saiu isso, mas o 1% ao mês é um “número mágico” na cabeça dos poupadores. Não, não existe mais nada que dê 1% ao mês, de forma estável, todo mês! E, para o bem do país, espera-se que isso nunca mais exista!

Isso porque o juro alto, bom para o investidor, era sinônimo de uma economia frágil, seja porque precisávamos de juro alto para atrair capital estrangeiro ao país (capital especulativo, importante frisar), seja para combater o risco de uma inflação elevada.

Hoje temos uma perspectiva de inflação controlada por um longo período. Também temos uma economia mais estável com a possibilidade de atrair dinheiro estrangeiro para investimentos em infraestrutura e na economia real, ou seja, investimento de longo prazo, de mais qualidade. Por fim e não menos importante, temos um cenário de juros baixos pelo mundo todo, que também nos favorece.

O fato é que temos um cenário diferente chegando para os investidores, um cenário que não é nenhuma novidade no mundo, mas que terá grande impacto, especialmente nos investidores mais conservadores. Não admira se em pouco tempo deixarmos de ter o CDI como referência para as carteiras de investimento.

E uma das características desse cenário será a volatilidade em investimentos de renda fixa.

Os fundos de renda fixa DI sempre foram sinônimos de estabilidade e segurança. Oscilações nas cotas significavam que algum ativo da carteira havia entrado em default, ou seja, o emissor havia dado calote no pagamento. Como os gestores costumam ser muito diligentes na escolha dos ativos, esse era um fato raro.

E no último mês de outubro muitos dos investidores dessa classe de ativos se surpreendeu com uma rentabilidade muito abaixo do CDI. Só que, ao contrário do que se podia pensar, não houve defaults nem ao menos aumento do risco nos ativos da carteira. E uma expressão começou a ser ouvida: a marcação a mercado.

E o que seria a marcação a mercado?
Imagine que uma empresa emitiu uma debênture que rendia 110% do CDI, a cinco anos atrás, quando o CDI girava próximo a 15% ao ano. Isso representava uma taxa de 16,5%, ou seja, um prêmio de risco de 1,5% acima do CDI.

Agora, com o CDI a 5% ao ano, o mesmo prêmio de risco de 1,5% acima do CDI representaria uma taxa de 6,5%, ou o equivalente a 130% do CDI.

CDI Prêmio de risco Taxa % CDI
15% 1,50% 16,50% 110%
10% 1,50% 11,50% 115%
5% 1,50% 6,50% 130%

Portanto, o que estamos vendo são novas emissões com taxas melhores. Tecnicamente isso é ótimo para os investidores. Porém, assim que um novo título de uma mesma empresa é emitido, os títulos que já existem no mercado passam a ser negociados com taxas equivalentes, ou seja, o título emitido anteriormente com taxa de 110% do CDI passa a ser negociado a uma mesma taxa dos novos, ou seja, 130% do CDI. E com isso, o preço do título passa a ser negociado com DESÁGIO.

Reprecificação do valor de negociação de um título com prazo de 5 anos:

Prazo anos CDI Taxa % CDI Valor do título
5 5% 110% 110,00
5 5% 115% 98,82
5 5% 130% 95,39

Portanto, o que vimos no mês de outubro foi a reprecificação do valor dos títulos negociados no mercado. Não houve nenhum tipo de default, nem aumento de risco. Além disso, isso significa que a carteira dos fundos tem agora uma rentabilidade maior (conhecida como carrego).

Mas porque isso aconteceu em outubro?
Alguns eventos nunca acontecem por conta de um motivo isolado. Normalmente, por conta de medidas de proteção e/ou prevenção, é preciso uma série de fatores em conjunto para desencadear uma mudança. E de certa forma, foi isso que vimos em outubro.

Há alguns anos atrás tivemos o advento das LCIs e LCAs nas carteiras, especialmente com uma grande participação dos bancos públicos.

Durante a crise, os investimentos diminuíram e, consequentemente, as emissões de títulos de dívida. Desde meados do ano passado, apesar da queda da SELIC, ainda havia uma expectativa de subida dos juros num futuro próximo. Além disso, havia demanda muito grande de investidores por esses papéis, portanto as empresas não precisaram pagar mais prêmio de risco por essas emissões.

Confira a nossa análise semanal do cenário macroeconômico com foco nos investimentos, por Alexandre Amorim, CGA.

E agora, no segundo semestre, a expectativa de queda da SELIC chegou a níveis que nunca se imaginou. O mercado começou a se ajustar e as emissões começaram a sair com taxas mais altas.

Essas oscilações em títulos de crédito privado em razão dos prêmios dos papéis são normais no mercado. Sempre existiram, mas a sua oscilação era menos sentida quando o CDI era alto. Agora, num mundo que não existe mais 1% ao mês, essa oscilação é potencializada.

Também importante frisar que essa oscilação é comum em todas as economias desenvolvidas (e até nas não tão desenvolvidas assim), portanto estamos sofrendo de um “problema de gente grande”. E vale reiterar, não houve qualquer reprecificação por conta de aumento de risco de crédito. Pelo contrário, num cenário de inflação estável e taxa de juros baixa, há redução do custo médio de capital e consequente desalavancagem financeira, deixando os fundamentos ficam muito melhores.

Por fim, resta a máxima – é na crise que aparecem as oportunidades. Nessa hora os fundos estão aproveitando para fazer compras com taxas melhores e aumentando o carrego (rentabilidade da carteira teórica). Mais um sinal da evolução da economia brasileira.

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